Baleia Jubarte Mutilada

Nos últimos dias veio a tona um assunto que comove a sociedade, mas que sozinho é incapaz de promover mudança.
O fato é que surgiu na internet um vídeo que mostra uma nadadeira caudal de baleia-jubarte amputada e emaranhada em cabos de aço, sendo puxada por uma embarcação de pesca de arrasto. Na seqüência aparece uma baleia jubarte respirando, mutilada e rodeada por sangue. A imagem é brutal e a narração é de extrema ignorância.
O infeliz pescador, talvez inspirado pela vingativa Moby Dick de Melville, julga que a baleia “veio descontar a raiva” enquanto profere palavrões e idiotices. Pelo menos um deles expressa fisionomia apontada por alguns como de satisfação.
Talvez as baleias tenham até motivos para não gostar da nossa sociedade, mas dizer que elas se rebelaram e que agora pretendem afundar embarcações é ficção.
Por outro lado, estar à bordo na hora que uma baleia se vê presa ao equipamento de pesca e luta para se soltar deve ser bastante difícil. O risco para todos à bordo é muito grande. Imagine cabos de aço extremamente tensionado a ponto de se romper; a embarcação sendo puxada de popa ou través com água entrando por cima do bordo enquanto um animal com dezenas de tonelada e a força de um titã se debate com tanta violência que acaba por cortar o volumoso pedúnculo caudal. Nenhum homem do mar, exceto um suicida, se colocaria intencionalmente numa situação dessa.
A cara de satisfeito do pescador pode estar mais relacionada à sobrevivência das pessoas à bordo do que com a morte iminente da baleia, apesar do discurso de ódio.
Mas o grande ponto dessa história é a reação da sociedade. A solução apresentada por muitos é a vingança. Pedidos de prisão, decaptação e outros absurdos. As pessoas presumem que foi um atentado contra a vida da baleia, apesar deste não ser um raciocínio lógico.
Em 2015 um artigo de Flavia Pinheiro registrou, no litoral norte de São Paulo, a interação entre uma baleia-minke e a pesca de espinhel capixaba que teve o mesmo final: uma caudal amputada e muito provavelmente mais uma baleia morta. Em 2018 o site da National Geographic publicou um artigo que relata o aumento de avistagem de baleias-cinzentas sem a nadadeira caudal na Califórnia.
A verdade é que acidentes vão continuar acontecendo porque a população de baleias está aumentando e a demanda da sociedade por recursos também.
A pesca é só mais um dos conflitos. Problemas em regiões portuárias, com exploração mineral, poluição entre outros devem se agravar nos próximos anos.
A pesca de arrasto, que vitimou a baleia-jubarte, é responsável pela moqueca de camarão, pelo bobó, pela empadinha de camarão do lanche ao custo de vidas de diversas espécies de peixes que não tiveram oportunidade de crescer e muito menos reproduzir para reabastecer os estoques de peixes. Em alguns casos o volume de fauna acompanhante dessa pesca, como são chamados estes peixes pequenos e sem preço, é superior ao de camarão.
A pesca de espinhel, que vitimou a baleia-minke, mantém o atum do sashimi ou da lata do supermercado sempre disponível ao custo de muitas vidas de tubarões, tartarugas, golfinhos, aves marinhas e baleias.
Enquanto isso a demanda da sociedade por pescados cresce e a exploração marinha segue sem planejamento.
A desinformação sobre como usamos os recursos do mar faz parecer que “pescado” não é animal, ou no mínimo é menos importante que qualquer outro animal terrestre. Chamamos a fauna marinha de estoque. A produção pesqueira não produz, extrai. A relação da sociedade com o mar é insustentável.
Não existe uma única solução ou solução correta. O que sabemos é que a solução permeia a educação, empatia, consumo consciente, manejo planejado de fauna e tecnologia.
O desejo é que a sociedade se esforce para tentar ouvir o avanço silencioso da ciência. As informações estão colocadas na mesa, mas a ciência não é capaz (ainda) de atingir o público geral. Se o vídeo te chocou busque informação séria e reflita sobre qual e quanto recurso você consome para viver, sobre o ambiente em que você está inserido, nas relações físicas e biológicas entre os diferentes organismos e ambientes que exercem influencia sobre a sua vida.
Parafraseando Gandhi, quando ele fala sobre o mistério divino supremo: seja a mudança que quer no mundo. Enquanto isso torcemos para que a imagem horrível da baleia amputada agonizante, iluminada pela ciência, contribua para a promoção da reflexão e da mudança da percepção de cada individuo na sociedade.

PINHEIRO, Flavia CF et al. Severe mutilation of a baleen whale in a longline fishery off the Brazilian coast. Marine Biodiversity Records, v. 8, 2015.

Katarina Zimmer. Aumento de baleias sem cauda na Califórnia preocupa cientistas, National Geographic Brasil, 2018

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